Agricultores de Mato Grosso preservam grande diversidade genética de mandioca
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Diversidade mantida pelos agricultores pode ajudar programas de melhoramento genético

Uma pesquisa realizada em parceria entre a Embrapa Agrossilvipastoril (MT) e a Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat) caracterizou a divergência genética de etnovariedades de mandioca cultivadas por agricultores de dez municípios situados no entorno da rodovia BR-163, no norte e médio-norte de Mato Grosso. O resultado mostrou que há uma grande variabilidade entre os materiais mantidos nessas roças e que o acervo tem grande potencial de uso em programas de melhoramento da espécie.

O trabalho avaliou 68 etnovariedades coletadas em áreas de agricultores que atendem ao mercado consumidor de Nova Mutum, Lucas do Rio Verde, Sorriso, Sinop, Itaúba, Nova Santa Helena, Terra Nova do Norte, Peixoto de Azevedo, Matupá e Guarantã do Norte. Manivas desses materiais foram plantadas em um experimento em Alta Floresta e, 12 meses depois, foram feitas as avaliações. Foram analisados critérios como massa fresca da parte aérea, número de raízes por planta, produtividade de raízes, massa fresca da raiz comercial, diâmetro da raiz e comprimento de raiz.

Utilizando dados quantitativos das características avaliadas foi montada uma matriz de dissimilaridade. Na sequência, os pesquisadores utilizaram o método de agrupamento hierárquico UPGMA e o método de otimização de Tocher. Trata-se de duas metodologias distintas para se agrupar os materiais conforme similaridades, de forma a se representar a diversidade genética existente na amostra. Os métodos apresentam os resultados de formas diferentes, mas são complementares.

No método UPGMA as 68 etnovariedades foram consideradas divergentes e foram divididas em cinco grupos, sendo que um deles incorporou 31 etnovariedades e dois deles tiveram apenas uma etnovariedade cada um.

Já a análise pelo método de otimização de Tocher classificou a amostra em dez grupos, sendo que um deles reuniu 33 etnovariedades, outro 24, três tiveram duas etnovariedades cada um e cinco ficaram com apenas uma cada um.

Nessa segunda metodologia, os pesquisadores verificaram também a distância média intragrupo, ou seja, entre as etnovariedades que compõem aquele grupo, e a distância média entre os grupos (intergrupos). Os resultados mostraram diferentes níveis de divergência genética, com grandes variações em alguns casos, o que favorece o uso em programas de melhoramento genético.

“Quando nós trabalhamos com melhoramento genético precisamos ter um pool gênico. Esse pool gênico é uma diversidade de genes, ou alelos, que são encontrados em uma determinada espécie. Entre esses genes, podemos ter alguns que, por exemplo, permitem à espécie ter resistência a um determinado fator, que pode ser um fator externo ou interno. Um exemplo externo é o fator de resistência ao longo período de seca da região”, explica a professora da Unemat e orientadora da pesquisa, Ana Rossi.

Outra conclusão importante do estudo foi a de que características como massa fresca da raiz comercial e número de raízes por planta não contribuíram para a diferenciação das etnovariedades. Isso indica que essas características podem ser excluídas em futuros trabalhos de divergência realizados com mandioca. Por outro lado, a massa fresca da parte aérea apresentou a maior contribuição relativa para a divergência das etnovariedades.

Entre as 68 etnovariedades avaliadas, a mais produtiva foi a Casca branca, coletada em Guarantã do Norte. Ela também foi a mais dissimilar geneticamente.

A pesquisadora da Embrapa e co-orientadora da pesquisa, Eulália Hoogerheide, explica que nesse trabalho não foram usadas análises moleculares das etnovariedades. “As avaliações fenotípicas são importantes para avaliar o grau de diversidade mantida pelos agricultores nas roças dessa região, considerando a importância da conservação on farm, e o seu potencial para serem incorporadas em programas de melhoramento genético. Assim, os resultados são práticos e objetivos”, explica.

Região da amostra

Esse trabalho se soma a outras pesquisas realizadas em Mato Grosso ligadas à diversidade genética de etnovariedades de mandioca. Porém, as ações anteriores foram realizadas na Baixada Cuiabana e na região de Alta Floresta. Este foi o primeiro estudo realizado no eixo da BR-163, onde está um crescente mercado consumidor formado por cidades como Sinop, Sorriso, Lucas do Rio Verde e Nova Mutum.

“O objetivo foi coletar e caracterizar as diferentes etnovariedades cultivadas para uso comercial nos dez municípios que compreendem a BR-163. Então, para as coletas, visitamos os principais comércios de cada município e nos informávamos quanto aos fornecedores do tubérculo. A partir do primeiro agricultor visitado, íamos obtendo informações dos demais produtores, um método chamado de “bola de neve”, conta a primeira autora do estudo, a pós-doutoranda da Fapemat Eliane de Pedri.

Os resultados do estudo destacam ainda o importante papel desempenhado pelos agricultores familiares na conservação de materiais genéticos de mandioca on farm. De acordo com a professora Ana Rossi, qualquer empresa ou instituição de pesquisa que trabalhar com o melhoramento genético deve dar crédito aos agricultores.

“Como eles cultivam a mandioca para consumo, eles acabam tendo nas suas roças diferentes etnovariedades, como a: Mandioca amarela, Mandioca branca, Mandioca cacau, Mandioca pão… Isso não ocorre nos cultivos comerciais nas regiões Sul e Sudeste, que cultivam uma única variedade já melhorada visando à produção de farinha. Isso então garante que a diversidade seja preservada em suas roças”, analisa.

Fundo Amazônia

A pesquisa foi realizada no âmbito do projeto “Abelhas, variedades crioulas e bioativos agroecológicos: conservação e prospecção da biodiversidade para gerar renda aos agricultores familiares na Amazônia Legal”, custeado pelo Fundo Amazônia. Seu escopo está em alinhamento com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, no ODS nº 2 “Fome zero e agricultura sustentável”.

Melhoramento participativo da mandioca

Parte das etnovariedades analisadas no estudo estão sendo usadas em outra pesquisa coordenada pela Embrapa Agrossilvipastoril, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso (Fapemat). As manivas foram plantadas em uma propriedade rural na região de Sinop para serem multiplicadas. Ainda este ano elas serão distribuídas a dez agricultores familiares para que possam plantar em suas propriedades. O objetivo é realizar um melhoramento participativo, ou seja, fazer a seleção dos melhores materiais com apoio dos produtores rurais e levar a eles materiais genéticos mais produtivos para serem multiplicados e distribuídos entre os demais da região, e assim contribuir para a ampliação e conservação desse importante tubérculo.

Variabilidade genética em Mato Grosso

O estado de Mato Grosso é um dos centros de origem da mandioca no mundo, e abriga também parentes silvestres. Na região, as plantas da mandioca florescem, o que permite o cruzamento genético, e a formação das sementes. Além disso, a presença de agricultores familiares que vivem na região realiza a preservação, mediante o plantio dessas sementes, o que amplia ainda mais a variabilidade da espécie.

Essa variabilidade genética tem o potencial de trazer outras vantagens, como a possível diversidade de tipos de amido. Amidos com características diferentes são de interesse da indústria.

O que é etnovariedade

Ao longo dos anos, o homem faz seleção genética de plantas conforme o seu interesse. Comunidades tradicionais na Baixada Cuiabana, em Mato Grosso, por exemplo, selecionam variedades de mandioca para a produção de farinha. Já comunidades indígenas no Xingu selecionam pensando na produção do beiju. Outros grupos indígenas da Amazônia preferem a mandioca-brava.

Todo esse processo de escolha e replantio de materiais que atendem melhor aos objetivos locais resulta na seleção das chamadas etnovariedades. Elas são conservadas pelos próprios produtores por meio do plantio contínuo. É a chamada preservação on farm e, no caso da mandioca que é nativa de Mato Grosso, é também considerada in situ.

Já a seleção comercial, feita por meio de programas de melhoramento genético de instituições de pesquisa e empresas, resulta na obtenção de cultivares, que são variedades registradas no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). A comercialização dessas cultivares gera royalties para a instituição responsável pelo seu desenvolvimento.