Produtores de cana em busca de visibilidade
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Parceiros na hora de fazer o bolo crescer, mas invisíveis no momento de sua divisão. É dessa forma que estão se sentindo os produtores de cana, frequentemente alijados das discussões de implantações de programas que interferem na redistribuição da renda da cadeia produtiva da cana-de-açúcar, como a remuneração do Crédito de Descarbonização (CBIO). Projetos de isenção tributária, que beneficiam mais a indústria em detrimento do produtor, também causam preocupação.

O tema é pauta do terceiro Canaoestecast, o podcast da Canaoeste, que será disponibilizado a partir desta segunda-feira (11), no YouTube da associação, e reuniu o presidente e o gestor corporativo da Associação, Fernando dos Reis Filho e Almir Torcato, respectivamente, o presidente e o CEO da Organização de Associações de Produtores de Cana do Brasil (Orplana), Gustavo Rattes de Castro e José Guilherme Ambrósio Nogueira, e o presidente da Associação dos Produtores de Matérias-Primas para as Indústrias de Bioenergia de Goiás (APMP Bioenergia), Ênio Jaime Fernandes Júnior.

Até mesmo em fóruns, onde dividem a mesa de negociações com as indústrias, como é o caso do Consecana (Conselho dos Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Etanol do Estado de São Paulo), os produtores estão se sentindo prejudicados e cobram uma revisão do sistema de precificação, por entenderem que ele não reflete a realidade do produtor em termos de remuneração.

“O sistema de precificação não reflete a atual conjuntura porque, hoje, nós temos uma defasagem nos números da Orplana em torno de 20%, ao longo dos últimos 15 anos, o que deveria ter sido ajustado a cada cinco anos, como se recomenda o manual, mas, quando você pega o aspecto de evolução de gastos, o custo da área agrícola, nesse período, teve um incremento muito superior ao da indústria e isso leva à distorção do mercado, não refletindo a realidade. Ele é um instrumento, na minha concepção, fundamental. O Consecana é um dos melhores mecanismos de precificação, mas hoje possui uma defasagem que precisa ser discutida na mesa”, ponderou o presidente da Orplana, Gustavo Rattes de Castro.

Para o presidente da Canaoeste, aí reside uma das dificuldades, pois, ao seu ver, há falta de interesse dos usineiros em sentar à mesa para dialogar. “O produtor rural de cana não tem mais condições. O ambiente está muito bom para as usinas, o açúcar está muito bom, temos o álcool de segunda geração, há energia, há o bagaço, mas só um lado está ganhando. Não temos condição de sustentar essa vida deles. Sinto que falta vontade do usineiro de conversar. Ele não quer nem justificar porque não quer conversar e isso tem atrapalhado muita gente aqui. E nós somos cobrados no dia a dia. A gente sai e o pessoal vem pedir informação. Querem saber o que vai acontecer porque senão vão parar”, informou Reis.

Com relação ao RenovaBio, Enio Jaime Fernandes Júnior, da APMP Bioenergia, destacou que o programa é muito mais do que a comercialização de CBIO. “Você tem uma política de biocombustíveis desde a soja com biodiesel, desde o etanol e agora a gente está tentando, e parece que o governo vai aumentar a mistura para 30%. Está quase tudo certo; vamos esperar acontecer para não comemorar antes. Enfim, esse aumento de mistura é uma escolha da sociedade, só que isso tem um custo. Na hora de aprovar esse programa, buscam-se os produtores. Aí pega o pequeno, o micro, o médio, o grande, a indústria abraça e vamos juntos. Agora, na hora de dividir o bolo, ficou com quem a maior parte? Então é isso que quero mostrar. Não tem como um setor crescer se os seus produtores não crescerem com você”, disse.

Fernandes também chama a atenção para a questão da representatividade do setor como um todo. “Chega um ponto em que você perde representatividade e também o poder político. A cana não está só perdendo a área. Há uma coisa que me choca. Se você pegar a produtividade da soja nos últimos anos, ela explodiu. Com o milho também é uma coisa incrível o que aconteceu. Há gente colhendo, no cerrado, 200 sacos de milho por hectare na segunda safra, que nem era para ser plantada. A pecuária teve que se reinventar, com margens menores, e se reinventou; o algodão teve que se reinventar; o amendoim está se reinventando; enquanto isso, a produtividade da cana está recuando”, constatou.

Para Fernandes, se a situação continuar como está, poderá haver a concentração de produtores e a perda de representatividade política, refletindo negativamente em um programa que aumenta a renda e o desenvolvimento, melhora o meio ambiente e que só tem benefícios. “Só que ele vai ser mal vendido e pode acabar porque representa um grupo muito pequeno de pessoas”, alerta.

Diante da distribuição desigual, o presidente da Canaoeste afirma que, aos produtores, nem sequer cabe uma fatia do bolo. “Quando você falou que está dividindo o bolo e a usina está ficando com a maior parte, é um engano. A usina está ficando com todo o bolo. Nós (produtores) estamos ficando com a tábua do bolo. Com esses recursos, a usina investiu no seu maquinário, na produção, melhorou a extração. Está sobrando mais bagaço, mais energia. Enquanto isso, o produtor está à míngua, não consegue receber nada. Então, de 2019 a 2023, a usina está usando esses recursos para ela própria. E, quando o produtor chega lá, ela dá 20, 50 centavos, parece que é esmola, e faz um carnaval que está pagando para todo mundo e o ano inteiro, aqui, não tem direito a receber mais nada”, lamenta Reis.

O gestor da Canaoeste, Almir Torcato, recorda que, quando a lei foi criada, o produtor não foi incluído legalmente na participação desse CBIO. “Ficamos jogados de escanteio nesse processo e agora estamos lutando para que eles nos olhem e nos enxerguem, através do PL 3149, a fim de que a participação do produtor seja efetivamente legal e parte dessa renda seja revertida para que o produtor de cana possa fazer novos investimentos e ter maior eficiência de negócio”, disse.

Na questão tributária, José Guilherme Ambrósio Nogueira, CEO da Orplana, explicou sobre o ICMS ou crédito outorgado, no qual o produtor também vem sendo deixado de lado. “Trata-se de um benefício do governo federal para os estados e, consequentemente, para as usinas de etanol, para melhorar a defasagem de preço que houve em 2021 e 2022, em virtude da pandemia. A redução da competitividade do biocombustível ficou impactada e esse dispositivo do governo federal visa a auxiliar as usinas a uma recomposição de preço ou, melhor ainda, uma recomposição de margem para ajudar a saúde financeira das usinas”,

De acordo com Nogueira, no estado de São Paulo, o valor chegou a R$ 1,9 bilhão, mas, no Brasil como um todo, mais de 3 bilhões de reais foram enviados para as unidades industriais. “E isso, infelizmente, até o momento, também não entrou na concepção do preço ou na formação do preço ao produtor. A gente também entende que isso faz parte do direito do produtor, uma vez que essa ajuda veio para recomposição de margem”, explica Nogueira.

O gestor da Canaoeste, Almir Torcato, fez uma síntese das agruras vivenciadas não apenas pelas entidades representativas, mas também pelos produtores, que clamam por mais visibilidade. “É importante que o nosso produtor consiga entender a complexidade das frentes e como tudo isso está sendo trabalhado. Acho que essa visão de trabalho é muito significativa. Estamos falando de uma cadeia que prega a divisão de renda, uma cadeia que levanta uma bandeira de sustentabilidade, levanta uma bandeira de desenvolvimento, e aí a gente vê, por exemplo, o principal item de remuneração, o Consecana, enfrentando uma luta para conseguir revisão”, reclamou.

Para Torcato, o programa do RenovaBio precisa de um PL para o produtor ser incluído, para pleitear uma participação da renda que se tem. “Temos um crédito que envolve a questão da matéria do produto etanol, feito com a cana-de-açúcar, e, mais uma vez, o produtor não é lembrado”, pontuou.

“Temos visto que o Parlamento também vem trabalhando de uma forma que, às vezes, não está enxergando a complexidade da cadeia e tudo aquilo que desce dessa cadeia. Pensa que está fazendo determinada ação para prestigiar o setor, mas que pedaço do setor e da cadeia sucroenergética que estão prestigiando com essa ação? Esse é o grande passo de mudança: saber se o produtor de cana é visto ou como é visto e se ele realmente é visto no Parlamento diante das necessidades que se tem”, questiona o gestor da Canaoeste.