Fusão entre Azul e Gol ameaça concorrência e coloca Brasil na contramão de práticas internacionais

A proposta de fusão entre as companhias aéreas Azul e Gol, recentemente formalizada, acende um alerta sobre os impactos para o mercado de aviação brasileiro. Em artigo de opinião publicado na Folha de S. Paulo por José Roberto Afonso, doutor em economia e professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) e da Universidade de Lisboa, ele destaca que a união das empresas não apenas falha em solucionar as dificuldades financeiras enfrentadas por ambas, mas também pode comprometer a concorrência e o bem-estar dos consumidores.

Ambas as companhias apresentam superávit operacional, mas não conseguem arcar com os elevados custos de juros e correção cambial de suas dívidas. Nesse contexto de crise financeira, agravado pela alta do dólar que encarece gastos e dívidas do setor, a fusão surge como uma estratégia para postergar ajustes financeiros definitivos. Segundo Afonso, essa manobra permitiria amortizar prejuízos acumulados com o capital dos acionistas, uma prática já adotada por outras companhias aéreas que conseguiram se reestruturar.

Contudo, a fusão proposta apresenta sérios riscos à concorrência. Se aprovada, as empresas controlariam cerca de 60% do mercado doméstico e monopolizariam 96 rotas no país, chegando a deter até 80% dos voos em algumas capitais. Esse cenário pode resultar em aumento de tarifas e redução de oferta de voos, prejudicando diretamente os consumidores. Afonso ressalta que situações semelhantes foram vetadas ou abandonadas nos Estados Unidos e na Europa, onde regulações antitruste são rigorosamente aplicadas para evitar concentrações de mercado prejudiciais.

O econômista alerta que a união de empresas altamente endividadas pode abrir caminho para uma eventual estatização, transformando dívidas bilionárias em responsabilidade do Estado e, consequentemente, da sociedade. Esse movimento afastaria investidores, sobretudo estrangeiros, que veriam com desconfiança o uso de recursos públicos para sustentar oligopólios, em vez de fomentar um ambiente competitivo e inovador.

Afonso defende que a solução mais eficiente para a crise no setor aéreo seria a atração de novos investimentos e financiamentos, especialmente internacionais. O Brasil possui grande potencial de crescimento no setor de aviação, seja pelo baixo número de viagens por habitante ou pelo desenvolvimento de combustíveis sustentáveis, como o querosene verde. Contudo, esse potencial não será realizado com soluções simplistas que comprometem a concorrência e desestimulam investidores.

Diante disso, o Brasil deve observar e aprender com as decisões internacionais que vetaram fusões prejudiciais à concorrência. Uniões empresariais só devem ser estimuladas quando promovem a eficiência de mercado e não ameaçam o bem-estar do consumidor, defende José Roberto Afonso. A busca por soluções sustentáveis e a abertura para novos investimentos são caminhos mais eficazes para fortalecer o setor aéreo brasileiro.