De olho no material escolar
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Foi criada uma associação (deolhonomaterialescolar.com.br/) que se auto impôs a missão de pugnar para que os temas relativos ao agronegócio, contidos nos livros escolares, sejam verdades lastreadas no conhecimento científico e em fatos verídicos e comprováveis.

Distorções

Vamos conceder o benefício de que o exposto a seguir é fruto de ausência de consulta às fontes contemporâneas, com credibilidade e fundamentação. Aceita a premissa, podemos dizer que muitos temas do agro, contidos nos livros didáticos, são baseados em fatos que aconteceram há 50, 100 ou 150 anos. Que não devem ser esquecidos – para que nunca mais se repitam – mas é fundamental o contraponto, ou seja, o quanto o setor evoluiu nas últimas décadas.

Destacarei alguns exemplos ilustrativos de abordagens distorcidas, quais sejam: 1) A agropecuária sobrevive à custa de desmatamento desregrado e incontrolável; 2) Os agropecuaristas brasileiros são latifundiários, improdutivos, exploradores de mão-de-obra escrava ou semiescrava; 3) Há necessidade de reforma agrária para integrar hordas de pequenos produtores marginalizados; 4) Agricultores usam pesticidas de forma desregrada, em demasia, sem cuidado com o ambiente e com a contaminação dos alimentos; 5) Apenas produtos da agricultura orgânica são saudáveis, livres de qualquer contaminação, mais saborosos e nutritivos.

Os fatos

Analisemos cada um dos pontos acima:

1) Até os anos 1970 o desmatamento era o vetor da expansão da fronteira agrícola, impulsionado por políticas públicas. Nas últimas décadas, a intensa geração e adoção de tecnologias sustentáveis minimizam o desmatamento. Com o avanço tecnológico, o agricultor cultiva áreas já antropizadas e degradadas; converte pastagens para a agricultura, liberadas pelo vertiginoso crescimento da produtividade da pecuária; usa sistemas de ILPF ou agricultura intensificada (duas ou três safras no mesmo ciclo). Mas, e os recentes desmatamentos e incêndios na Amazônia? Pouco ou quase nada tem a ver com o agronegócio moderno, os fatos apontam para crimes ambientais de grileiros, madeireiros ou garimpeiros interessados no imediatismo extrativista.

2) Não existem mais latifúndios improdutivos no Brasil, acabaram na primeira metade do século XX. Hoje as propriedades são tecnificadas e produtivas, permitindo ao Brasil ser protagonista na produção de alimentos usando 7% de seu território. Escravidão existiu, sim, até 1888. E ainda existem (raros) casos de exploração de mão-de-obra por alguns péssimos agricultores, que não representam o agro moderno, constituindo-se em exceções que também existem em outros setores da economia.

3) O Brasil conduziu um dos programas mais ambiciosos de reforma agrária, em escala mundial. Da década de 1970 para cá, foram atendidas mais de 1 milhão de famílias, que receberam 88 milhões de hectares (Mha). Um valor superior à área de grãos cultivada em 2023, que ocupa cerca de 65 Mha. Os números mostram que não faltou distribuição de terra no Brasil.

4) O Brasil tem uma legislação de pesticidas rígida, que nada fica a dever a qualquer país da OCDE ou do resto do mundo. A legislação ambiental é severa, contaminações de cursos de água ou danos à biodiversidade constituem crimes ambientais. Existem programas de manejo de pragas desenvolvidos para todas as culturas importantes do Brasil. Tanto o Ministério da Saúde, quanto o da Agricultura, investigam a presença de resíduos em alimentos, corrigindo as não conformidades detectadas. E, sempre bom lembrar: pesticida custa dinheiro, agricultor não é bobo, não joga dinheiro no lixo.

5) Foram criadas falsas dicotomias nos livros didáticos, tipo agricultura familiar x agronegócio, ou agricultura orgânica x convencional. Em ambos os casos, as bases conceituais são falácias. Agricultor familiar está inserido no agronegócio, a menos que produza apenas para sua subsistência, sem negociar a produção. Todos os estudos científicos disponíveis mostram que não há diferenças entre alimentos orgânicos ou convencionais quanto ao teor de nutrientes ou propriedades organolépticas. O consumidor decide o que comprar, com base em suas próprias crenças e em seu poder aquisitivo.

O que não é abordado

Retratar o agro com as lentes do passado obnubila o enorme avanço tecnológico que permitiu ganhos de produtividade excepcionais, em curto espaço de tempo. Além da produtividade, inúmeras outras tecnologias tornam o agronegócio brasileiro um paradigma de sustentabilidade. 

Ao restringir-se a temas que ficaram no passado, os livros didáticos deixam de abordar o cooperativismo ou o fato de o agro empregar dezenas de milhões de brasileiros (sustentabilidade social), respeitar a legislação florestal (sustentabilidade ambiental) ou angariar mais de uma centena de bilhão de dólares anualmente com exportações (sustentabilidade financeira). Não mostra que ano após ano menos área é necessária para alimentar um cidadão, brasileiro ou estrangeiro. E que o custo da cesta básica reduziu-se admiravelmente nas últimas décadas, pela queda dos preços dos alimentos.

Ações

Entidades públicas e privadas colaboram com a associação De Olho no Material Escolar. O MEC mostrou-se sensível à necessidade de revisão profunda dos textos, no que tem sido acompanhado por editores e autores. Entidades como a Embrapa, o Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS), a Confederação dos Engenheiros Agrônomos do Brasil (Confaeab) colocaram especialistas à disposição para alinhar os textos com fatos reais e a melhor fundamentação científica. Juntos solucionaremos esta distorção que prejudica a formação da próxima geração.

Por Décio Luiz Gazzoni, Engenheiro Agrônomo, pesquisador da Embrapa Soja e membro do Conselho Científico Agro Sustentável