A urgência em melhorar a rede de proteção às crianças e adolescentes foi o ponto principal de Audiência Pública, promovida pela Câmara Municipal de Campo Grande na manhã desta quarta-feira (15). O debate sobre o tema veio à tona depois da morte da menina Sophia, aos 2 anos, no dia 26 de janeiro, depois de sofrer várias agressões. Foram encaminhadas dez providências para aperfeiçoar essa assistência e, desta forma, evitar a repetição de crimes semelhantes, que poderiam ter sido evitados.
A Audiência foi convocada pelo vereador Coronel Villasanti, presidente das comissões permanentes de Proteção dos Direitos da Criança e do Adolescente e de Segurança Pública, e da vereadora Luiza Ribeiro, presidente da Comissão Permanente de Políticas e Direitos das Mulheres, de Cidadania e Direitos Humanos. O debate foi secretariado pelo vereador Prof. André Luís. Bastante emocionado, o pai de Sophia, Jean Ocampos, declarou “agradeço por estarmos aqui e lutarmos por justiça para minha filha”. Ele acompanhou a audiência ao lado do companheiro, Igor Andrade. Eles e outros familiares assistiram o debate com camisetas com a foto da filha e dizeres de “Justiça por Sophia”.
Representantes da Justiça Estadual, Defensoria Pública, Ministério Público Estadual, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Secretaria Estadual de Segurança Pública, Polícia Civil, Secretaria Municipal de Saúde, Assembleia Legislativa, Conselho Tutelar, Conselhos de Defesa das Crianças e Adolescentes e várias entidades representativas dos direitos da infância participaram do debate.
Ao final, o vereador Coronel Villasanti apresentou os encaminhamentos da Audiência, com base nas falas de todos os presentes:
1) melhoria da capacitação contínua dos profissionais da saúde, segurança, assistência social, educação e Conselho Tutelar;
2) melhoria da escuta especial;
3) ampliação do número de Conselhos Tutelares para pelo menos nove (atualmente são cinco);
4) criação do Centro Integrado da Criança e Adolescente, onde todos estarão atuando juntos no mesmo prédio acelerando atendimento. Os vereadores comprometeram-se a buscar recursos com a bancada federal para o prédio;
5) fiscalização frequente pela recém criada Comissão de Proteção dos Direitos da Criança e do Adolescente, composta pelos vereadores Coronel Villasanti (presidente), Clodoilson Pires (vice-presidente), Ayrton Araujo, William Maksoud e Paulo Lands;
6) solicitação à Delegacia Geral de Polícia Civil para plantão 24 horas na Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente;
7) melhorar estrutura dos conselhos tutelares;
8) campanha para divulgar a rede de proteção;
9) criar alerta no sistema E-saj para garantir prioridade no sistema judicial nos casos de crianças de situação de risco;
10) Avaliar alteração na forma de escolha de conselhos tutelares, para que seja realizado concurso público.
“É preciso aumentar a rede de proteção para que casos como da pequena Sophia não voltem a acontecer”, disse Villasanti. No começo da Audiência, a defensora pública Neyla Mendes, representante do Conselho Estadual de Defesa da Pessoa Humana, relatou as nove chances perdidas para que a vida de Sophia fosse salva, entre as buscas ao Conselho Tutelar, Polícia Civil, Defensoria Pública e os atendimentos médicos realizados. “É necessário que os órgãos que falharam estabeleçam protocolos internos para que isso não volte a ocorrer”, afirmou. Durante o relato, integrantes do Fórum Permanente pela Vida das Mulheres e Crianças, citaram as legislações pertinentes e as normas que deveriam ter sido seguidas em cada uma das situações.
A vereadora Luiza Ribeiro comentou que os serviços da rede de proteção à criança precisam estar mais bem articulados, mesmo que haja a necessidade de ampliar a estrutura. “A menina Sophia teve quase dez chances de ser salva porque o pai procurou os serviços adequadamente. Foi ao Conselho Tutelar duas vezes, procurou a Delegacia, juiz e promotor souberam do caso dela, assim como saúde, assistência social. E toda essa rede não foi capaz de salvar a vida dela. Precisamos entender as falhas da rede e assumir essa responsabilidade de proteção da criança”, disse.
Melhorias – O presidente do Conselho Municipal da Criança e Adolescente, Márcio Benites, reiterou que a rede toda tem que funcionar. “Temos problema da implantação da sala de escuta, prevista na lei Henry Borel, de 2022”, afirmou, mencionando a legislação que prevê essa rede de proteção e uma série de ações para garantir a proteção das crianças. Carla Rodrigues, representante o Conselho Estadual da Criança e Adolescente, cobrou que o “discurso da intersetorialidade vá além”, solicitando que a rede de proteção se coloque na posição do pai e da família.
Representando a Pastoral do Menor, Márcia Gomes, questionou as deficiências para proteção da criança. Lembrou ainda da menina Isadora, conhecida como Estrelinha, de apenas 11 anos, que foi estuprada e morta em Campo Grande em dezembro do ano passado. “Precisamos que seja efetiva a intervenção para não termos mais crianças com as vidas ceifadas”, afirmou. Ela questionou o fato de as duas vítimas recentes morarem em áreas urbanas, com vizinhança próxima. Ainda, a questão do curto atendimento e acompanhamento das denúncias realizadas.
Mateus Firmino, representando o Comitê da Enfrentamento à Violência Sexual, lembrou que os primeiros a identificarem a violação, podem ser o professor, o agente comunitário de saúde. “A família é responsável por garantir direitos sociais não está sozinha obrigação de proteger a criança”, afirmou. Ele lembrou ainda que tem toda uma estrutura nos bairros, de assistência e qualidade de vida, que precisa ser garantida à criança pelo poder público.
Barbara Nicodemos, do Conselho de Assistência Social, declarou que estão discutindo crimes e que todos os dias estão estampados casos. “Tivemos há pouco tempo o caso da menina Estrelinha e logo na sequência da Sophia. Precisamos agir como profissionais e agentes públicos. Nossa rede é fragilizada. Nossa rede deve ser institucional. Acredito nas Audiências para que a gente mostre à sociedade que precisamos agir nas políticas públicas”, disse.
Segurança Pública – A Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sejusp), Polícia Civil e poder público municipal pretendem ativar, de imediato, o atendimento especializado para crianças e adolescentes 24 horas na Casa da Mulher Brasileira, voltada para denúncias de mulheres vítimas de violência. Posteriormente, deve ser implementado na Capital o Centro Integrado de Atendimento da Infância e Juventude. “Isso nunca será para a polícia e poder público mais um caso de homicídio. Sempre será tratado como uma vida muito importante. A gente sabe a dimensão do amor e tenta mensurar o tamanho dessa dor. Quero dizer que sabemos que sempre haverá algo a mais a se fazer, a melhorar, tentaremos encontrar a falha”.
O coronel Ary Carlos Barbosa, secretário-adjunto da Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública, afirmou que todas as vezes que a polícia foi acionada as demandas foram atendidas. “Não podemos deixar para a segurança pública o fim. Todas as vezes em que fomos demandados a família foi atendida. Temos leis que saúde deve informar se a criança tem sinais de violência e, conforme os laudos, foram dois casos, sendo o último do óbito”, declarou.
O deputado estadual Pedro Kemp, representando a Assembleia Legislativa, demonstrou preocupação quando o poder público apenas joga para a sociedade essa responsabilidade e ressaltou que as legislações estabelecem a criança como prioridade absoluta. “Quando fala que é dever da sociedade, é obrigação do vizinho denunciar maus tratos, do professor denunciar, do enfermeiro, do médico denunciar quando atende a criança com sinais de maus tratos. A omissão mata! Agora, o poder público tem suas responsabilidades e temos que cobrar essas responsabilidades”, afirmou. Ele acrescentou ainda que faltam 9 mil vagas na educação infantil.
Judiciário – Atualmente, 170 crianças estão afastadas de suas famílias em Campo Grande, vivendo no serviço de acolhimento, pois tiveram seus direitos violados pelos seus familiares. O dado foi repassado pela juíza Katy Braun do Prado, da Vara da Infância, da Adolescência e Idoso de Campo Grande. “Infelizmente, Sophia não é primeiro nem último”, afirmou. Devido ao segredo de justiça dos casos, ela referiu-se ao que é de conhecimento na imprensa: “nossa rede não atende a demanda do município”, salientou. Ela lembrou de ação judicial para criação de mais três conselhos tutelares em Campo Grande, que ainda não foi cumprida e prevê multa diária. “É indispensável que tenham estrutura para trabalhar”, disse. Ela falou ainda que o Centro Integrado iria melhorar esse trabalho, citando exemplo que o exame de corpo delito em Sophia poderia ter sido feito na hora.
A presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Maria Isabel Saldanha, disse que o pai não foi bem orientado na Defensoria Pública sobre pedido de guarda. Ela questionou ainda o fato de que ninguém orientou o pai sobre o pedido de medida protetiva, que poderia ter sido solicitado. Pontuou ainda que o pai se sentiu discriminado. “Não deram ouvido para um pai falando”, disse. Jean contou que levou áudio, fotos com hematomas e até mesmo a criança com a perna quebrada, acrescentou ainda que o companheiro Igor não foi ouvido nos depoimentos. Maria Isabel criticou ainda o familismo, em que ocorre a proteção da família acima da proteção da criança, além do endeusamento da mãe, como se também não fossem autoras de maus tratos.
A defensora pública Débora Paulino lembrou que existia em Campo Grande o Centro de Atendimento às Crianças, que foi fechado, além do Programa de Proteção às crianças, que foi desativado. “Já estivemos aqui na Câmara falando desse tema. Precisamos discutir o que iremos avançar”, afirmou. Ela lembrou de algumas medidas da Defensoria, com ações e mutirões para pais que buscam vagas em escolas. Ainda informou que o casal (Jean e Igor) não foi barrado na Defensoria, sendo orientado sobre a documentação que precisariam apresentar para judicialização do caso.
“Seja qual for a estrutura, essa instituição jamais vai se furtar do seu papel, do seu dever. O Conselho deve ser acionado quando a omissão traz violação de direitos. Se mais de 40 mil atendimentos foram feitos, algo está errado na nossa sociedade”, declarou Adriano Vargas, presidente do Conselho dos Conselheiros Tutelares. Ele relatou sobre a rede de assistência e sobre os casos atendidos diariamente, de falta de vaga em escola, criança abandonada, estuprada, que sofre negligência ou maus tratos.
Projetos – O vereador Coringa comentou da necessidade de colocar as pautas em ação. “Olha o tanto de gente envolvida numa rede forte, que precisa dar certo”, afirmou. Ele apresentou projeto de lei para criação do Programa Municipal de Defesa da Criança e Adolescente em Situação de Risco, com implantação da Patrulha Sophia Ocampos, no modelo da Patrulha Maria da Penha, que já salvou muitas vidas. “Criança em situação de risco estará sendo monitorada com equipe especializada”, disse, mencionando a necessidade de orçamento essas ações.
O vereador Dr. Victor Rocha citou a importância de todos discutirem essas melhorias para proteção das crianças. “Precisamos avaliar o que podemos mudar, buscar de solução para que esses casos não se repitam”, disse. O vereador Paulo Lands ressaltou que a criança dá sinais e relatou que no seu trabalho como professor sempre encaminhou à coordenação casos em que percebia algo diferente. “Temos meios para denunciar sem aparecer. Melhor denunciar do que ter a notícia e ver que estava do lado e não fez nada. Essa causa e luta é de todos”, afirmou.
Caso Sophia – Com apenas dois anos e 7 meses, a menina Sophia foi morta no dia 26 de janeiro deste ano. A mãe da menina, Stephanie de Jesus da Silva, e o marido, Christian Campoçano Leitheim, estão presos e são acusados de homicídio qualificado por motivo fútil, meio cruel e por se tratar de vítima menor de 14 anos. Também há a denúncia de estupro e omissão de socorro. A menina já estava morta há pelo menos sete horas quando foi levada ao posto de saúde pela mãe, conforme laudos da polícia. Laudos apontaram que a menina sofreu traumatismo raquimedular na coluna cervical e foi constatada violência sexual anterior. O inquérito policial foi encaminhado ao Poder Judiciário no dia 3 deste mês. Uma série de omissões e falhas vieram à tona. O pai da menina Jean Carlos Ocampos já tinha enfrentado longa batalha para denunciar os maus-tratos sofridos pela criança. Dois boletins de ocorrência denunciando as agressões foram registrados, em 31 de dezembro de 2021 e 22 de novembro de 2022, na Delegacia de Proteção à Criança e Adolescente (DEPCA). O pai ainda esteve por duas vezes no Conselho Tutelar, solicitando que as denúncias de agressões fossem apuradas. Ele queria a guarda da menina, mas na Defensoria Pública foi informado que precisaria reunir provas sobre a violência. A menina ainda passou por 30 atendimentos médicos e, em um deles, tinha fraturado a tíbia.
Milena Crestani
Assessoria de Imprensa da Câmara Municipal