W3.CSS

Com as mudanças climáticas, as chuvas serão cada vez mais intensas e concentradas, provocando alagamentos e destruições cada vez maiores em Campo Grande. Além de pagar por erros do passado, a Capital não está preparada para enfrentar os temporais, como o que devastou o litoral norte de São Paulo.

No dia 5 de janeiro deste ano, choveu 134,8 milímetros em 24 horas na cidade, um recorde histórico e nunca registrado desde o início das medições em 1912, segundo o meteorologista Natálio Abrão. A quantidade de água bateu o recorde anterior, de 127 milímetros em 6 de dezembro de 2006.

Veja mais:

Alagamentos refletem falta de planejamento e Lerner sugeriu parques para evitar enchentes

Governo tucano quer desmatar 280 mil metros quadrados, 11,6% do Parque dos Poderes

Desmatamento no Parque vai agravar alagamentos e aumentar riscos de tragédias na Capital

A grande quantidade de chuvas já fez estragos sem precedentes em Campo Grande nas últimas duas décadas. O caso mais chocante foi chuva em 2011, quando 88 milímetros de chuva em 34 minutos destruíram totalmente a Avenida Ricardo Brandão e a Rua Ceará em 2011.

De acordo com o arquiteto e urbanista Fayez Risk, a situação poderia ter sido muito pior e trágica. Graças a duas das cinco barreiras construídas no Córrego Prosa, a água não devastou toda a região central ao longo da Avenida Fernando Corrêa da Costa e teria até destruído os bairros Marcos Roberto e Vila Nha-Nhá. “Muita gente poderia ter morrido”, afirmou.

Trecho do Lago do Amor ainda totalmente destruído e sem previsão de reparo (Foto: Arquivo)

Aliás, as barreiras de contenção acabaram tendo resultado porque acabaram com os constantes alagamentos no cruzamento da Avenida Afonso Pena com a Rua Paulo Coelho Machado (Furnas). Somente com a chuva deste ano, a Via Parque voltou a ser alagada novamente.

A tendência é que a quantidade de chuva seja maior e mais concentrada nos próximos anos. Em São Sebastião, no litoral paulista, choveu 682 milímetros em 24 horas. O volume é seis vezes maior o já registrado em Campo Grande. O meteorologista Natálio Abrão não descarta que esse fenômeno possa ocorrer em Campo Grande.

“Antes dos eventos deste ano, a meteorologia possuí um arquivo estatístico que não tem precedentes no país com um número desse”, explicou. Antes da chuva recorde em São Paulo, o serviço de meteorologia só havia registrado essa quantidade de chuvas no Havaí e na índia. “Portanto, se já há esse número aqui, não se descarta também em outras regiões, como aqui (em Campo Grande)”, explicou o meteorologista.

De acordo com o urbanista, a Capital não está preparada para comportar uma chuva dessa dimensão. Aliás, ele faz questão de ressaltar que nenhuma cidade brasileira está preparada. E as obras para mitigar os danos vão custar cada vez mais caras.

Via Parque voltou a alagar com chuva de 134 milímetros, um sexto do registrado no litoral paulista (Foto: Arquivo)

Campo Grande ainda paga um preço caro pelos erros do passado. O município teve condições de se preparar para ter o mínimo de estragos em eventuais chuvas torrenciais. No final da década de 70 do século passado, a prefeitura elaborou a carta geológica de Campo Grande, com estudo do solo e a definição do percentual de permeabilidade de cada região. Em alguns locais, o estudo apontou que era necessário deixar 50% de área permeável para evitar alagamentos.

Na época, ambientalistas e urbanistas protestaram contra a construção dos bairros Mata do Jacinto e Carandá Bosque, porque eram regiões muito arenosas. Os protestos foram em vão. “Construíram no lugar errado”, lamenta Fayez Risk. A areia da região acabou sendo carreada para dentro do Córrego Prosa e dos lagos do Sóter e do Parque das Nações Indígenas.

Outro fator que deverá agravar os alagamentos foi a retirada das árvores da maioria das ruas da Capital. Apesar de ter a fama de ser uma das mais arborizadas do País, Fayez Risk destacou que ficaram poucas árvores para segurar a água da chuva. Cada pé de árvore pode segurar sete mil litros, segundo o urbanista.

Como os estragos são inevitáveis, Natálio Abrão diz que a prioridade é salvar vidas. “Você já viu como fica Campo Grande com enchentes?”, questionou, sobre os alagamentos em várias regiões, como da Avenida Ernesto Geisel no cruzamento com as avenidas Mascarenhas de Moaraes, Euller de Azevedo e Rachid Neder.

“Com as proporções que a geografia de cada região pode suportar, excesso de água traz efeitos danosos do mesmo jeito. Hoje o que nós da meteorologia temos como principal resposta é preservar vidas, o restante se recupera”, concluiu o meterorologista.

Veículos voltaram a ficar submersos na Via Parque após vários anos sem alagamentos (Foto: Arquivo)